Provas digitais: A importância do conjunto probatório

Provas digitais: A importância do conjunto probatório

Introdução

Este projeto tem por finalidade introduzir o assunto da prova digital, presente no conjunto probatório de uma ação penal pública. As provas digitais colhidas em uma investigação criminal são frequentemente usadas para fundamentar uma denúncia e compor a peça processual acusatória. Tal composição, é apresentada geralmente através de Prints (imagens de diálogos de aplicativos de mensageria como WhatsApp, Telegram, Signal, Instagram) com o fim de proporcionar lastro probatório a peça acusatória.

Salientamos que o não fornecimento da imagem forense sobre o conjunto probatório apresentado na denúncia, pode gerar tanto para a defesa quanto acusação um prejuízo gravíssimo, pelo fato de não se saber a origem de tais provas (sua licitude) e como foram obtidas.

Importante mencionar que a atitude de não fornecimento das provas digitais é comum por parte dos órgãos acusatórios. Caso não solicitado pela defesa, não será fornecido de livre espontânea vontade e, mais raro ainda, mas não impossível, alguns órgãos de persecução penal podem entender (equivocadamente saliento) que a denúncia com todos seus prints de imagens, conversas, transcrição de áudios, trechos seletivos de conversas, representam todo o conjunto probatório a ser analisado pela defesa.

Alerta-se para aqueles que ainda não se atualizaram sobre os meios de prova, em especial a prova pericial, que o conteúdo presente na denúncia, são alegações e não a prova em si de onde tal material probatório fora extraído.

Antigamente as provas eram diferentes e não possuíam características de natureza digital. Atualmente, é preciso rever certos conceitos em matéria de prova digital, tão volátil e perfeitamente passível de mutações e alterações muitas vezes de forma indetectável, podem ser realizadas sem que percebamos. As aparências podem enganar e como diz o ditado “nem tudo que reluz é ouro…”. O mesmo princípio se aplica a prova digital no processo penal, ainda mais com a revolução da IA (inteligência artificial) capaz de reproduzir a voz de uma pessoa x, criar rostos de pessoas que nunca existiram na vida real, etc. Imagine o potencial devastador de um áudio falso produzido por uma IA e apresentado sob forma de transcrição de áudio amadora em uma denúncia, apontando todos indícios para um inocente.

A questão que ora se apresenta, vem permeando os tribunais de 1ª instância em total desrespeito com a parte atuante na defesa. O não fornecimento do conteúdo da prova digital extraída e analisada pela acusação não é só uma afronta, como também fere o devido processo legal e outros princípios constitucionais do processo penal.

Muito comum a acusação (MP), usar como fundamentação em sua denúncia dados extraídos de dispositivos móveis apreendidos sem acostar aos autos a imagem forense do conteúdo probatório analisado. Esta atitude, traz a impressão de que a prova produzida é objeto único e exclusivo de análise por parte da acusação, o que é uma ofensa ao princípio da paridade de armas no processo penal, no qual as partes devem ter os mesmos direitos, o acesso à imagem forense.

No presente caso, é desnecessário dizer que a defesa tem pleno direito de analisar a prova digital na íntegra da mesma forma que a acusação. Também é desnecessário citar a súmula vinculante 14 do STF[1], o Art. 5º, INCISO LV da CRFB[2], se e somente se, tal prova fosse fornecida quando solicitada pela defesa. Por outro lado, quando solicitamos o conteúdo probatório analisado pela acusação, pode ocorrer a falta de integralidade dos arquivos (ausência de arquivos essenciais a análise pericial), isto na melhor das hipóteses, ou então, obtemos como resposta em alguns casos, que tudo está dentro do processo e a denúncia está lastreada de conteúdo probatório (alegações sem prova), que todos indícios de autoria e materialidade estão presentes e foram amplamente expostos com fotos, prints screen de WhatsApp, conversas exportadas em formato txt, relatórios em formato pdf e transcrições de áudio amadoras. Neste último caso, a acusação não fornece nenhuma prova do que analisou, não fornece a imagem forense para que a defesa possa exercer o contraditório da prova produzida.

Dessa forma, tenta-se convencer a defesa inexperiente, a acreditar genuinamente em todo conteúdo analisado e selecionado pela acusação (somente partes interessantes a tese acusatória) para compor a denúncia como se o MP fosse o “dono da verdade” e soubesse o que é melhor para a defesa.

Por fim, é oportuno lembrar que o MP e a defesa são partes no processo penal, e a defesa tem o mesmo direito que a acusação, que é de analisar a prova digital na sua integralidade para que ambos possam exercer o contraditório sobre a prova produzida, realizando cada um à sua tese (acusatória e defensiva) e cabe ao juiz, de forma imparcial, acolher a tese que lhe proporcione um maior grau de certeza para que possa prolatar uma sentença justa, afastando a possibilidade de dúvida, com base na livre convicção motivada que deve ser fundamentada na legislação vigente e no inteiro teor dos autos do processo.

Provas digitais: A importância do conjunto probatório (imagem forense) para a defesa no processo penal

É comum durante as investigações realizadas pela polícia judiciária, a obtenção de dispositivos eletrônicos, a serem utilizados como meio de prova [3]para colher elementos de convicção acerca da materialidade e autoria de um delito. Nesta etapa de investigação e também colheita de provas, em especial as digitais, deve-se dar atenção aos procedimentos adotados em relação a cadeia de custódia do vestígio coletado, com o devido cuidado para não contaminar a evidência que servirá de prova no processo.

Tais procedimentos, previstos no CPP, sob o artigo 158-A a 158-F, visam garantir a idoneidade do vestígio a partir de sua coleta até o descarte, de forma a preservar sua autenticidade e integridade, documentando toda a sua história cronológica em ficha de cadeia de custódia.

Em tal ficha, são registrados a posse e o manuseio do vestígio, a fim de que seja possível identificar o caminho percorrido desde o início até o final do processo, garantindo sua confiabilidade, higidez e transparência.

Após todos os procedimentos legais previstos no CPP e outras normas correlatas que orientam as melhores práticas periciais, a prova coletada deve passar por um procedimento forense de extração[4], processamento e análise dos dados extraídos (todos realizados através de software forense, preservando a integridade dos dados). Através das informações extraídas, busca-se comprovar a autoria e materialidade de um delito praticado. Com a conclusão do inquérito policial pelo delegado, prossegue-se para apresentação de relatório ao MP, o qual deverá analisar seu fundamento e oferecer denúncia se for o caso.

Ressalta-se que conforme previsto na LC 40 do MP[5], artigo 3º, inciso I, cabe a esta instituição (MP), velar pela fiel observância da Constituição e das leis, e promover-lhes a execução. Isto posto, podemos afirmar que uma das funções do MP é fiscalizar a licitude dos procedimentos adotados pelos órgãos de investigação, para que não se cometam injustiças referente aos direitos e garantias do investigado previstos em lei. O MP tem o dever institucional de fiscalizar a licitude dos procedimentos adotados na investigação realizada pelo delegado e,
isto inclui certamente verificar a idoneidade dos vestígios digitais coletados e analisados como pendrives, computadores, dispositivos móveis,
de forma que a prova apresentada no curso de uma ação penal possa ser admitida e valorada. Caso contrário estaria descumprindo
uma de suas funções ao não verificar os procedimento adotados em relação ao previsto em lei sob os Art. 158-A a 158-F do CPP.

Em tese, pode-se dizer que a acusação olha apenas para a formalidade de atos institucionais como autorizações para MBA, pedidos de prisão, representação por interceptações telefônicas, sem ao menos se preocupar em verificar a autenticidade e integridade dos elementos probatórios apresentados a promotoria, ponto central e de suma importância que pode vir condenar um inocente. Dessa forma, o MP recebe uma denúncia e simplesmente encaminha ao juízo competente para instaurar ação penal, sem ao menos se preocupar com a idoneidade do vestígio que está sendo apresentado à sua frente.

Provas digitais no contexto de denúncias em canais de comunicação

Em alusão a este contexto, passamos a analisar um print screen de uma conversa de WhatsApp, usado como alegação em uma denúncia do MP. Importante mencionar que da mesma forma, tal alegação poderia também ser representada por prints de relatórios em pdf, planilhas, imagens da web, fotos, transcrição de áudios, etc.

Cabe destacar que cada arquivo digital apresentado em uma denúncia, seja prints de WhatsApp, relatórios pdf, planilhas do excel, áudios, fotos, todos eles, possuem o que chamamos de metadados que nada mais são do que um conjunto de dados internos sobre o arquivo que esta sendo analisado.

Nos metadados de cada arquivo podem estar presentes diversas informações como data e hora de criação, modificação e acesso, bem como outras informações de nome do proprietário, tipo de arquivo, dados de gps no caso de fotos, entre outras informações.

Três motivos pelos quais não se deve aceitar provas digitais sem verificar sua origem

É muito comum encontrar prints de conversas trocadas por aplicativos de mensagens como prova em processos judiciais. No entanto, há 3 fortes motivos pelos quais não se deve aceitar esse tipo de prova sem verificar a sua origem, bem como sua autenticidade, integridade e integralidade.

  1. O Print é uma mera imagem de tela e não carrega informações importantes como sua origem, o contexto em que foi tirado e informações técnicas. Dessa forma, não possibilita realizar auditoria no conteúdo.
  2. Facilidade de falsificação, atualmente é muito fácil falsificar uma imagem, seja com programas de edição ou alterando o código-fonte dos sites e aplicativos, isso faz com que as imagens sejam descredibilizadas, principalmente após os conteúdos serem apagados da internet.
  3. Os prints não seguem a cadeia de custódia, ou seja, eles não conseguem documentar a história cronológica do vestígio coletado com precisão.

Resumindo, podemos exemplificar o exposto acima com três prints de conversa de WhatsApp, os quais refletem claramente a falta de confiabilidade quando se apresentam somente prints em denúncias sem apresentar a origem de onde foram extraídos tais dados.

provas digitais

[1] É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

[2] Inciso LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[3] Os meios de prova podem ser pericial, documental, testemunhal, confissão, entre outros.

[4] Extração de dados: realizado através de um software forense responsável por extrair uma grande quantidade de dados do dispositivo apreendido.

[5] Lei Complementar nº 40 do MP: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp40.htm

Um software de edição de imagens modificou as imagens acima, uma alteração simples de realizar. No entanto, é importante observar que outros meios podem ser utilizados para adulterar conversas de aplicativos de mensageria de forma mais eficaz, como a alteração direta nos bancos de dados desses aplicativos.

Por tudo o quanto exposto acima, concluímos que não se pode confiar, nem aceitar cegamente as provas trazidas aos autos sem antes analisar a prova segundo critérios técnicos e científicos aceitos pela comunidade forense, principalmente quando tratamos de prova pericial em formato digital.

Conclusão

Por fim, espera-se ter trazido luz ao assunto, que se apresenta como uma pequena parte de um problema muito maior e complexo que abarca o judiciário, principalmente de primeira instância. É preciso alertar e mostrar para os magistrados as imensas possibilidades no campo da prova digital para que o mesmo possa vir a refletir e analisar de forma segura uma prova digital, pois esta prova pode vir a compor os autos de um processo criminal em sua vara. Em caso contrário, o problema se arrasta para instâncias superiores onde acabam percebendo o erro de julgamento e o descaso em instâncias de primeiro grau.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Planalto, Brasília, 03 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 15 fev 2023.

Lei Complementar nº 40 do MP: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp40.htm

Sobre o autor

Willian Freitas Núncio, perito em forense digital, é cadastrado no TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) na qualidade de perito, Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Pós-Graduado em Segurança da Informação, Pós-Graduado em Forense Digital e Investigação Cibernética pela Daryus – SP, Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal, Pós Graduado em Direito Probatório no Processo Penal pela ESMAFE – PR (Escola de Magistratura Federal do Paraná), além de diversos outros cursos de formação técnica e jurídica, também é atuante como colaborador técnico em casos de grande repercussão, desenvolvendo várias atividades de análise pericial, relacionadas a provas digitais de tipos diferentes (smartphones, computadores, nuvens, quebra de sigilo telemático e telefônico, ERBs), possui amplo conhecimento técnico em ferramentas forenses, entre elas a notória ferramenta Israelense Cellebrite, XRY desenvolvida pela MSAB, FTK desenvolvida pela AccesData, Autopsy, IPED (Indexador e Processador de Evidências Digitais) desenvolvida e utilizada pela Polícia Federal na Operação Lava Jato, Alias Extractor da New Seg, Avilla Forensics, Stel 2 Map – geoprocessamento de dados telefônicos, entre outras ferramentas.

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/willian-nuncio/

Site: https://wnpericiadigital.com.br/

Conheça nossos treinamentos

Introdução a Cripto Ativos

Metodologias Nacionais de Perícia Digital

Perícia Digital Para Advogados

Mitre Attack

Triagem de Malware

Passware Kit Forensics: Do Zero ao Avançado
Gratuito para Law Enforcement