Os provedores de internet para o Direito Digital

Os provedores de internet para o Direito Digital

Introdução ao Direito Digital

Primeiramente, é de suma importância trazer à tona a Lei nº 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, a qual regulamentou o uso da internet no Brasil, estabelecendo, conforme disposto no seu preambulo, princípios, garantias, direitos e deveres a serem observados por provedores e usuários dos serviços de internet.

No mundo virtual e sob a ótica do Direito Digital, o Marco Civil é visto como a “Constituição da internet”, tendo em vista que este dispositivo legal foi a primeira norma que efetivamente dispensou atenção ao mundo virtual, com um olhar preventivo e defensivo disciplinou a base da matéria existente sobre o uso da internet no território nacional.

Foi com a vigência do Marco Civil que se estabeleceu um alicerce de diretrizes aplicáveis aos atos praticados no ciberespaço, a partir de princípios como o da neutralidade, privacidade e liberdade de expressão.

As principais inovações e regulamentações advindas da promulgação do Marco Civil da Internet, foi que em seu bojo o legislador dispôs quanto a questões processuais criminais no tocante à preservação das provas digitais pelos provedores, disciplinando o acesso a elas.

Mas, afinal, quem são os provedores de internet?

Para dar ensejo ao tema, o autor Hian Silva Colaço aduz que as relações obrigacionais estabelecidas na Internet abrangem basicamente três sujeitos detentores de personalidade jurídica: a vítima, o ofensor e os provedores de internet, que disponibilizam as ferramentas necessárias para a prática dos ilícitos ou foram os próprios responsáveis pelos danos gerados.[1]

E atento a isso, o Marco Civil da Internet cuidou em regulamentar sobre os provedores da internet, que são divididos em duas categorias de provedores, quais sejam: os provedores de conexão, que são aqueles dedicados a promover acesso à internet e os provedores de aplicação, que são aqueles que disponibilizam as aplicações na rede.

O artigo 5º, inciso V e VII, da Lei 12.965/2014, por sua vez, conceitua os provedores de conexão e os provedores de aplicação:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

V – conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP;

VII – aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem se acessadas por meio de um terminal conectado à internet.

Os provedores de conexão e aplicação armazenam dados em ambientes de navegação, devendo preservar seus registros durante um ano, no caso do primeiro, e de seis meses, no segundo caso, e seus responsáveis devem atender o mandado judicial, somente nessa hipótese. (PINHEIRO, 2016)[2]

Provedores de conexão de internet, também conhecidos como provedores de acesso, são as pessoas jurídicas prestadora de serviços mediante o fornecimento de acesso dos consumidores à Internet, como, por exemplo, VIVO, NET, Velox e Brasil Telecom, além das operadoras de telefonia celular que oferecem acesso móvel (3G e 4G) a seus clientes.

O provedor de acesso é uma atividade meio, ou seja, um serviço de intermediação entre o usuário e a rede, sob contrato, é por intermédio do provedor de acesso que o usuário comum de Internet utiliza a rede. O referido provedor não tem a necessidade de oferecer serviços adicionais, apenas é suficiente que a empresa fornecedora de tal serviço ofereça aos seus clientes a conexão dos terminais à Internet, normalmente essas empresas possuem uma conexão a um Backbone ou operam sua própria infraestrutura para conexão direta.[3]

Já os provedores de aplicações são pessoas naturais ou pessoas jurídicas, as quais utilizam o acesso à Internet para prestar serviços, por exemplo, provedores de conteúdo, de e-mail, de hospedagem, como o Google Chrome, o Explorer, o Firefox etc, ou aplicativos específicos, como Instagram, Facebook, TikTok, WhatsApp, entre vários outros.

Provedor de Aplicação de Internet (PAI) é um termo que descreve qualquer empresa, organização ou grupo que forneça um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.[4]

Conforme define Leonardi[5] (2005, p. 27), “é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação, utilizando para armazená-las servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem”.

Armazenamento de informações pelos provedores de internet

Neste passo, analisaremos os prazos estabelecidos pelos artigos 13 e 15 do Marco Civil da Internet, que devem ser obedecidos pelos provedores de conexão, bem como pelos provedores de aplicação de internet, os quais possuem as seguintes redações, respectivamente:

Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento. (grifamos)

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento. (grifo nosso)

Em outras palavras, os provedores de conexão, que também são chamados de “administrador de sistema autônomo” pelo Marco Civil, têm o dever de guardar por, no mínimo, 1 ano os registros de conexão.

Além do mais, o artigo 15 impõe aos provedores de aplicação de internet a obrigação de retenção, pelo prazo de até 6 meses, de registro de acesso, bem como estabelece que durante os 6 meses de retenção dos dados indicados pela lei, tais registros de acesso devem permanecer armazenados em “ambientes seguros”.

É mister elucidar que os incisos e parágrafos seguintes dos artigos acima citados, definem que, em determinados casos, há a possibilidade de pedido de preservação por período superior, caso tal solicitação seja realizada pela polícia, Ministério Público ou autoridade administrativa.

Responsabilidade dos provedores de internet

Conforme anteriormente mencionado, as relações virtuais, à luz do direito digital, são constituídas pelos usuários e pelos provedores de serviço e conexão de Internet.

Na maior parte dos casos, os atos ilícitos praticados no mundo virtual, são consolidados pelos próprios usuários e, em regra, são eles quem respondem pelos próprios atos, é o que garante o artigo 18 da lei em comento, a saber:

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Assim, o artigo 18 do Marco Civil da Internet afasta a responsabilidade dos provedores de conexão de internet em relação aos atos praticados por seus usuários, tendo em vista que é inviável pensar que o provedor tem o dever e a possibilidade de fiscalizar todo conteúdo postado na web por todos os seus usuários full time.

Sendo assim, sob a ótica do que garante o Marco Civil da Internet, as pessoas jurídicas fornecedoras de conexão de internet, deixam de ser responsáveis pelos conteúdos gerados por terceiros.

Todavia, a legislação prevê exceções à regra, sendo legalmente possível atribuir a responsabilidade de tais práticas ilícitas de terceiros aos provedores de serviços de Internet, quando ela resta caracterizada pela falha na prestação dos serviços pelos provedores, como prevê o art. 19, que será melhor elucidado a seguir.

Neste sentido, o MCI, portanto, ao regulamentar a questão da responsabilidade dos provedores por conteúdo gerado por terceiros, afastou por completo a responsabilidade do provedor de conexão à internet, que possui apenas o papel de operar o acesso à tecnologia virtual. Por outro lado, o provedor de aplicações assume a responsabilidade por conteúdos publicados por terceiros em suas plataformas. (CELANT; MENEGHETI, 2014, p. 14).

Vejamos o artigo 19 do Marco Civil da Internet, o qual dispõe sobre a possibilidade da responsabilização do provedor de aplicação:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (não grifado no original)

Ou seja, somente será atribuída a responsabilidade de certo conteúdo ao provedor de aplicações de internet, com exceção das disposições legais em contrário, quando aquele não obedecer a decisão judicial específica, ou seja, permanecer inerte as ordens determinadas pela justiça, no que toca aquele conteúdo em específico.

Em outras palavras, a regra é que os provedores de aplicações de internet não são responsáveis pelo conteúdo promovido pelos usuários e que circulam na rede, contudo, tais provedores responderão pelos reflexos e prejuízos, caso haja determinação judicial para a remoção daquele determinado conteúdo na rede, e tais provedores não o fizerem dentro do prazo determinado pelo magistrado.

De mais a mais, insta salientar ainda, que a hipótese de responsabilidade civil amparada pelo artigo 19 supracitado, permite ao provedor de aplicação, por livre deliberação, remover o conteúdo violado, quando receber uma notificação  extrajudicial do usuário.

Assim sendo, o provedor de aplicações, como, por exemplo, uma rede social, pode então decidir apagar um determinado conteúdo caso ele afronte os termos de uso daquela plataforma.

Nesse sentido, a notificação privada ou a denúncia de conteúdos potencialmente abusivos ou ilícitos serve de sinalização para o provedor, embora não seja ele, em regra, obrigado a remover apenas pelo recebimento dessas notificações extrajudiciais.[6]

Sanções e responsabilidade solidária dos provedores de internet

Primeiramente, é importante ressaltar que todas as empresas brasileiras e as estrangeiras que operam em território brasileiro, devem respeitar a legislação do país e obedecer às diretrizes e deveres estabelecidos pelo Marco Civil, veja:

Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros. (g.n.)

(…) § 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

Sendo assim, as empresas provedoras de internet no território nacional, que não respeitarem o disposto pelo Marco Civil ou às respectivas ordens judiciais, serão punidas com sanções, como advertência, multa de até 10% de seu faturamento, suspensão das atividades ou proibição de atuação, nos termos dos artigos a seguir declinados:

Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:

I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;

II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

III – suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou

IV – proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.

Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.

Ainda nesta toada de sanções, diante da inércia em obedecer a determinação judicial de remoção, o provedor passará a responder solidariamente com o autor do dano, como, por exemplo, quando um terceiro publica uma mensagem ofensiva em rede social.

Nesse caso, a vítima poderá exigir judicialmente do autor dos atos e, solidariamente, dos provedores de aplicações de internet, a obrigação de fazer de retirada do conteúdo ofensivo, a obrigação de não fazer, para se absterem de praticar aquele ato outras vezes, bem como a atribuição da responsabilidade civil, mediante pagamento de uma indenização devida.

Todavia, convém dizer que, contra o provedor de internet, as pretensões acima precisam ser aliadas às regras específicas dos arts. 19 ao 21 do Marco Civil.

O motivo de haver regras específicas é que o Marco Civil precisa dar segurança jurídica aos provedores de aplicação, garantindo-lhes clareza acerca do modo como devem agir diante de conteúdos indevidos postados por terceiros.

Na oportunidade, é importante lembrar que a responsabilidade solidária se justifica pelo fato de o provedor de aplicações de internet ser considerado um verdadeiro coautor do ilícito diante da sua omissão em indisponibilizar o conteúdo ilícito, nos termos do art. 942, parágrafo único do Código Civil que, aduz que:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932. (g.n.)

Conclusão

Vimos que o Provedor de Acesso à Internet caracteriza-se por ser aquele que dá acesso ao usuário ao mundo virtual, é uma espécie de ponte para a internet. Enquanto que os Provedores de Aplicações são aqueles que disponibilizam as mais diversas aplicações ou funcionalidades na internet.

É, portanto, após a ordem judicial específica descumprida pelo provedor de aplicações de internet, que este se veria responsável civilmente a indenizar por danos morais o usuário que teve seu direito violado por terceiro na plataforma.

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Referências:

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